domingo, 23 de outubro de 2016

Jejum intermitente


Até 1960 - quando não existiam, ainda, as epidemias da obesidade e Diabetes Tipo 2 - a sabedoria convencional preconizava que deveríamos ficar longe dos carboidratos processados e dos doces se não quiséssemos engordar. Também era consenso, especialmente sob as recomendações maternas, para não comer "bobagens" entre as refeições. Esta, mais pura sabedoria popular.

A alimentação, dieta e nutrição são temas apaixonantes que sempre geram discussões intermináveis, principalmente por causa dos tabus, paradigmas ou "verdades" tidas como irrefutáveis. O que comer, quando comer, o que nos faz engordar, devo praticar muita atividade física, de alta ou baixa intensidade etc. são indagações que sempre povoam nossas mentes.

Todavia, são questões, apesar de interessantes, periféricas, na medida em que o verdadeiro foco, quando se trata de ganho excessivo de peso, deveria ser, essencialmente, a fisiologia do corpo humano, a Biologia e o funcionamento interno do nosso corpo.

Uma estratégia atual utilizada para manter a saúde e perder peso, que vem ganhando muitos adeptos, consiste na realização do chamado jejum intermitente. Palavra da moda, ainda pouco conhecida do grande público, está sendo descoberto e, por muitos, até elogiado. Afinal, para praticá-lo, basta não fazer nada, ou melhor, deixar de comer por um período prolongado.

As pessoas do mundo inteiro, há vários séculos, sempre jejuaram. Seja por motivos pessoais, religiosos, sociais ou de saúde, o fato é que o jejum é algo comum e possível, praticado, ao longo do tempo, por toda a população.

Contudo, por qualquer lado que olhamos, percebemos que a sociedade atual, ao contrário, come o tempo todo, da forma incorreta. Desde o momento em que levanta da cama até a hora de dormir. Sempre mastigando e ingerindo algo. Tornou-se um hábito. É cultural.

Um dos grandes problemas desta alimentação incessante e crônica é a hiperinsulinemia, ou seja, a exposição ao corpo a níveis constantemente altos de insulina, que favorece o surgimento de processos como a resistência a insulina que poderá acarretar a obesidade e Diabetes Tipo 2, especialmente naqueles com predisposição genética.

A resistência a insulina nada mais é que uma reação natural do corpo contra o excesso de insulina. A pessoa com resistência a insulina terá que produzir mais insulina para dar conta da essencial função de retirar o açúcar do sangue.

Sabemos que a insulina bloqueia a lipólise e evita (na verdade, bloqueia) que a gordura seja queimada.

Muitos defendem que o jejum intermitente poderia até quebrar o ciclo de resistência a insulina. Aliás, é preciso lançar mão de todos os métodos possíveis e saudáveis contra a obesidade.

Uma coisa é certa: nossos ancestrais, o homem das cavernas, não comiam de "três em três horas". Em verdade, eles comiam tudo o que podiam, quando podiam e, preferencialmente, muita gordura animal.

Em termos nutricionais, só existem dois estados metabólicos possíveis: alimentado ou em jejum. Enquanto estamos no estado alimentado, o corpo está no "modo armazenamento"; e no estado de jejum, usa as reservas e passa para o modo "queima".

Nossos antepassados - naturalmente - mantinham um equilíbrio entre os dois estados. Contudo, como dito, no estilo de vida moderno, ocidental, as pessoas passam 2/3 do tempo no estado alimentado, se alimentando (incorretamente) a cada três horas, impossibilitando ao organismo usar as reservas de gordura.

Jejuar é o oposto de comer. Para muitos, além dos benefícios metabólicos, constitui-se no método mais barato, prático e eficiente de perder peso.

Para seus adeptos, a experiência do jejum é libertadora, no sentido de que você terá poder sobre o seu corpo, poderá controlar e dominar a fome e, principalmente, não será mais "escravo" da comida !

Naturalmente, fazer jejum não é para quem quer. É para quem pode. Adultos saudáveis, basicamente. Pessoas com alguma condição clínica, gravidez, baixo peso, enfermidade (especialmente o diabético!) ou fazendo uso de medicamentos não devem inciar tal prática sozinhos, sem a assistência e orientação prévia do médico.

Inicialmente, para aqueles que querem experimentar o jejum, seria preciso livrar-se do hábito (vício) da ingestão imoderada e constante dos carboidratos refinados e açúcar. Como sabemos, este tipo de alimentação é o gatilho que desencadeia o indesejado pico de glicose no sangue e consequentemente a secreção anormal de insulina pelo pâncreas.

O hormônio insulina é o responsável pela acumulação do excesso de glicose sanguínea em gordura no nosso tecido adiposo (no final das contas, o açúcar que sobra será transformado em gordura). Enquanto o corpo consegue obter glicose a partir da dieta ele não irá acessar a gordura armazenada.

Com o jejum, este processo metabólico seria alterado. A partir do momento em que não ingerimos nada, por longas horas, passamos a ensinar o nosso organismo a obter energia de outra forma, a desejável, ou seja, através dos nossos grandes estoques de gordura.

O hormônio contrarregulador é ativado com os baixos níveis de glicose no sangue. Então, o glucagon, também secretado pelo pâncreas, fará com que os triglicerídeos (gordura armazenada) sejam quebrados, transformados em ácidos graxos (através do processo conhecido como lipólise) para, finalmente, obter glicose (energia) de que necessitamos.

Além do mais, longos períodos de inanição alimentar permitiria esvaziarmos nosso glicogênio, sendo esta outra forma de enviar uma espécie de "mensagem" para o corpo de que ele terá que utilizar a gordura (e não o açúcar da dieta) como combustível.

Em termos bioquímicos, quando ficamos mais de doze horas sem alimentação, a concentração de glicose sanguínea diminuirá e haverá um maior nível de glucagon que insulina.

Entra em ação um processo metabólico denominado gliconeogênese hepática, onde o fígado começará a produzir glicose. Inicia-se com o fígado captando diversos substratos (como lipídeos e alguns aminoácidos), sendo que parte destes substratos virão do tecido adiposo. Em seguida, ocorrerá a lipólise, quebra da gordura, aumentando os níveis de ácidos graxos na circulação, que serão direcionados ao fígado para serem transformados em outros produtos. A glicose produzida vai para a circulação e a sua maior parte é captada pelo cérebro, principalmente, e outra parte menor pelos demais tecidos, como o muscular.






O jejum também poderia favorecer a desintoxicação" e uma renovação celular, na medida em que o corpo terá possibilidade de fazer uma verdadeira "faxina interna", já que não terá que lidar com a comida que entrava a todo momento.

A terminologia "jejum intermitente" ou o intermittent fasting significa que você poderia ficar sem comer algum período, depois volta a comer, depois jejua novamente, assim por diante.

Para quem preconiza o jejum, ele seria flexível e individual, curto ou longo, gradativo e progressivo. Segundo esta teoria, a pessoa, por exemplo, jantaria às 20h00, pularia o café da manhã e quebraria o jejum (daí a origem das expressões "breakfast"ou "petit déjuener") ao meio dia, perfazendo aproximadamente 14 horas no estado não-alimentado.

Cada pessoa é diferente e teria que encontrar a melhor adaptação própria. Os líquidos não-calóricos, como água, chá e café, não prejudicariam o jejum, sendo a hidratação necessária.

Alguns especialistas, como o médico canadense Dr. Jason Fung, referência no jejum intermitente, preconizam que na verdade, o jejum teria a capacidade de aumentar o metabolismo (dependente da massa magra), gerando inclusive mais energia, já que passaríamos a ter acesso a toda a quantidade de gordura armazenada no corpo e não apenas aquela limitada quantidade vinda da alimentação.

Aliás, ele acaba de lançar um livro que está sendo muito comentado na comunidade médica e nutricional mundial. Encontra-se disponível na Amazon, por enquanto, somente em inglês.



Ele também tratou do assunto neste livro:


Sob a perspectiva evolutiva, o jejum não seria de todo despropositado. Na Idade da Pedra Lascada, a fome fazia com que o ser humano tivesse mais energia para caçar, lutar ou encontrar alguma raiz para se alimentar. Caso contrário, morreriam de fome.

Outros preconizam, ainda, que a prática do jejum curto (até 24 horas), associada a prática da musculação (que garantirá um metabolismo basal normal), não faria com que o corpo perdesse massa magra durante este processo.

De toda forma, o importante é adotar um estilo de vida saudável e praticar bons hábitos alimentares (quero dizer, livre de carboidratos ruins e açúcar). Evitar picos de glicose propiciaria um inusual controle sobre a fome. A comida de verdade é nutricionalmente densa e particularmente saciante. É também por isto que não teríamos a necessidade de "comer a cada três horas".

Quando o seu corpo estiver acostumado e adaptado a uma alimentação de baixo carboidrato, três refeições ao longo do dia seriam suficientes para nutrir o organismo: café da manhã (naturalmente sem cereais matinais, pão, bebida achocolatada, margarina ou suco de caixinha), almoço e jantar. Haveria, com isto, um restabelecimento do equilíbrio entre estado alimentado e jejum.

Com a ingestão de comida saudável e nutricionalmente densa, também seria possível balancear os hormônios grelina e leptina, aqueles que regulam e controla a fome e o nosso estado de saciedade. Assim, comeremos quando tivermos fome e paramos de comer quando estivermos satisfeitos, sem a preocupação de "contar calorias".

Inexistindo picos de glicose, também não ocorreria, por consequência, a hipoglicemia reativa, caracterizada por aquela fome louca poucas horas após o café da manhã, por exemplo, desapareceria. O corpo estaria bem nutrido e satisfatoriamente alimentado, minimizando os sintomas negativos da fome descontrolada, como irritabilidade, mau humor e a impaciência.

No dia a dia, estamos em jejum somente quando dormimos. É durante a noite e madrugada que nosso metabolismo atua intensamente, assim como vários hormônios trabalham (GH, glucagon, cortisol) para manter nossa perfeita máquina corporal em perfeito funcionamento.

Segundo o Dr. Jason Fung, o jejum desencadeia numerosas adaptações hormonais que não acontecem com redução calórica simples. A insulina cai, ajudando a prevenir a resistência à insulina. A noradrenalina sobe, mantendo o metabolismo alto. O hormônio do crescimento aumenta, mantendo a massa magra. 

Segundo o mesmo médico canadense, durante o jejum, o corpo abre o seu amplo suprimento de alimento armazenado – a gordura corporal! O metabolismo basal permanece alto e, em vez disso, mudamos as fontes de combustível dos alimentos para os alimentos armazenados (ou gordura corporal). Agora temos energia. Neste estágio temporário sem ingestão de comida, primeiro queimamos o glicogênio armazenado no fígado. Quando ele termina, usamos gordura corporal. Uma vez que há uma abundância de combustível, não há razão para o metabolismo basal cair. E essa é a diferença entre perda de peso a longo prazo e uma vida de desespero. Esse é o divisor entre o sucesso e o fracasso. O jejum é eficaz onde a simples redução calórica não é. Qual é a diferença? A obesidade é um desequilíbrio hormonal, não calórico. O jejum fornece mudanças hormonais benéficas, que acontecem durante o jejum mas são totalmente evitadas pela ingestão constante de alimentos. É a intermitência do jejum que o torna muito mais eficaz.

Por outro lado, segundo Brad Pilon, sobre o jejum intermitente, consideremos alguns fatos: 

  • perdemos peso todo dia; 
  • a maior parte da perda de peso corporal que não seja água é feita através da sua expiração; 
  • a habilidade do seu corpo de liberar a gordura armazenada é controlada pelas ações da lipase de triglicerídeos de tecido adiposo, lipase hormônio sensível e lipase de monoglicerídeos, todas as quais aumentam durante o jejum; 
  • a gordura sendo liberada durante o jejum é então quebrada (usada como combustível) e o resultado final dessa quebra é a produção de CO2; 
  • à medida que você jejua, a quantidade de carbono que você exala e que era originalmente parte da gordura corporal, continua a aumentar; 
  • quanto mais gordura disponível para ser usada como combustível, menos proteína é usada como combustível; 
  • ainda que pequenas perdas de proteína aconteçam durante um jejum, apenas cerca de 1/3 dessas vem dos músculos.  

A seu turno, William Davis, em seu livro "Saúde Total", pondera o seguinte:

"O jejum intermitente – não comer por, digamos, de 15 a 48 horas, enquanto toma bastante água – pode ser um ótimo recurso para superar um patamar na perda de peso. Contudo, esse método somente deve ser empreendido depois que você tiver removido com segurança todos os grãos da dieta e tiver concluído a fase da síndrome de abstinência dos grãos. Antes da eliminação dos grãos, jejuar por mais de quatro horas é uma perfeita tortura, pois você, de fato, provoca o fenômeno de retirada dos opiáceos cada vez que experimenta jejuar . 

Por esse motivo, é melhor ter encerrado totalmente o processo de retirada dos grãos da dieta e, com isso, eliminado o efeito estimulante do apetite das prolaminas, amilopectinas e lectinas dos grãos. Uma vez que você esteja livre dos grãos, o jejum intermitente deve se tornar uma experiência tranquila, sem dor e sem esforço, que ocorre simplesmente porque você já não está mais com fome.
 

Peço desculpas pela repetição, mas certifique-se de se hidratar com eficácia, já que a desidratação é a razão mais comum para sintomas tais como tonturas, náuseas e fadiga sem explicação.
 
O jejum intermitente não deve ser confundido com o hábito de saltar refeições, como o de nunca tomar café da manhã. Saltar refeições habitualmente, num padrão constante, provoca ganho de peso, em decorrência de uma redução compensatória na taxa metabólica. Se você saltar refeições, faça isso de uma forma aleatória e imprevisível, para que seu corpo não se ajuste, desacelerando sua taxa metabólica. 
Entre os que não devem praticar o jejum intermitente estão as gestantes, os que estiverem doentes por algum motivo, pessoas com disfunção das suprarrenais ou com hipotireoidismo não corrigido e aquelas que têm diabetes tipo 1. 
Qualquer pessoa com diabetes tipo 2, hipertensão ou outros problemas de saúde que exijam medicação deve analisar com seu médico a possibilidade de interromper temporariamente certos medicamentos, em especial a insulina, medicamentos orais para controlar a glicose no sangue (especificamente a glimepirida, a gliburida e a glipizida) e medicamentos para a hipertensão, durante o período do jejum, principalmente se ele se estender por mais de 24 horas."


Este assunto é pertinente e atua. A descoberta do processo como desencadeia a denominada "autofagia", uma espécie de processo de limpeza e reciclagem das células danificadas, associada a prática do jejum, para se evitar a acumulação de resíduos, levou o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, este ano, para o japonês Yoshinori Ohsumi, do Instituto de Tecnologia de Tóquio.



Segundo consta do estudo capitaneado pelo agora laureado cientista japonês, se o processo autofágico encontra-se desregulado, disfuncional ou insuficiente, poderia levar a muitas patologias, como obesidade, diabetes, cardiovasculares, intestinais, além das doenças neurodegenerativas como o Alzheimer ou o Parkinson. 



Ou seja, a ausência de autofagia produziria doenças crônicas e degenerativas. O corpo somente lançaria mão deste processo na ausência de comida (restrição calórica e proteica). Ou seja, no jejum, já que a autofagia consistiria na forma como nosso organismo recicla nutrientes e organelas velhas para construir novas estruturas celulares.

O jejum prolongado seria uma das formas de ativação da autofagia que, segundo a descoberta, é um processo biológico básico, já que pode ser encontrado em praticamente todos os organismos e diminui gradativamente conforme o envelhecimento. Além do mais, sua indução estaria associada com o aumento da longevidade.

A própria bíblia diz que alguns demônios - aqui podendo ser entendidos como as próprias enfermidades - não se podem expulsar senão pela oração e pelo jejum (Marcos 9:29). 

A vida é uma constante busca do equilíbrio. Comer e jejuar. Exercitar e descansar. Trabalho e lazer. Dormir e acordar. Devemos sempre nos informar para buscar as melhores soluções nutricionais em prol da nossa saúde e a qualidade de vida.

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