sábado, 15 de abril de 2017

Níveis de evidência


Em nutrição existe a boa e a má Ciência. Os bons e os maus cientistas.

O bom cientista é aquele estudioso que tenta ser objetivo para encontrar a verdade.  Está aberto a teorias alternativas e considera todas as evidencias. 

Se ele identificar evidencias contrárias, por exemplo, utilizando a teoria do Cisne Negro, do filósofo da ciência Karl Popper (se existir apenas um cisne negro não posso afirmar que todos os cisnes são brancos), significa que suas teorias estão erradas.

Por outro lado, o mau cientista se apaixona pela sua teoria e o seu objetivo maior é provar que está sempre certo. Ele simplesmente ignora as teorias alternativas e não aceita outras evidências contrárias as suas teorias. No exemplo acima, o mau cientista dirá que ou não é um cisne ou ele não é negro.

Em Ciência nem tudo é a mesma coisa.

Existe uma hierarquia bem definida acerca dos níveis de evidência. Em linhas gerais, temos, em primeiro lugar, as meta-revisões que consiste em juntar vários ensaios clínicos de várias partes do mundo. Revisão sistemática com o mesmo resultado. É o topo da boa ciência e da evidência científica. É indiscutível. Não importa quantos estudos saírem depois. É prospectivo porque houve uma intervenção em um dos grupos e randomizado devido a um sorteio entre os dois grupos. 

Em seguida, a meta-análise traduz-se em uma forma de metodologia estatística de combinar resultados de diferentes trabalhos identificados em uma revisão sistemática sobre um tema específico. Trata-se de um procedimento metodológico que sintetiza uma determinada quantidade de conclusões num campo de pesquisa específico. Uma de suas vantagens é elevar a objetividade das revisões de literatura, minimizando possíveis vieses e aumentando a quantidade de estudos analisados.

Após, descendo os degraus dos níveis de evidência, temos as revisões sistemáticas e os grandes ensaios clínicos, seguido pelos ensaios clínicos pequenos onde dois grupos são divididos, sendo que em um deles faz-se a intervenção e o outro, o grupo controle, nada é feito. Depois faz-se a comparação entre os dois grupos. 

Dando sequência, os estudos de coorte são estudos observacionais onde os indivíduos são classificados segundo o status de exposição, sendo seguidos para avaliar a incidência da doença em determinado período de tempo. A cada período faz um exame com um grupo e responde a um questionário. Exemplo: "retirada do glúten da dieta aumenta o risco diabetes". Trata-se de somente um estudo observacional, sem qualquer intervenção ou controle. É o tipo que mais aparece na mídia. No entanto, servem, basicamente, para levantar hipótese que depois têm que ser testada em experimento clínico. 

Por fim, há os estudos transversais, os relatos de casos, séries de casos, estudos caso-controle, quando um caso, um tratamento ou uma doença foi observada em uma ou dez pessoas. 

Por fim, em último lugar na cadeia de evidência, temos a opinião especializada que consiste em uma mera percepção pessoal, sem qualquer valor científico, mesmo se for emitida pelo maior especialista ou por um renomado professor catedrático. 

Sobre as conclusões dos estudos observacionais, Dr. José Carlos Souto esclarece (post aqui):
"Se um estudo observacional/epidemiológico sugere que o consumo de proteína está associado com diabetes, isso não significa que consumir proteínas cause diabetes, e não autoriza ninguém a dizer que as pessoas deveriam comer menos proteínas para evitar o diabetes (uma inferência de causalidade indevida). Até aqui, é a mesma coisa sobre a qual já tratamos na postagem anterior.

Se um estudo observacional/epidemiológico sugere que o consumo de laticínios full fat (com toda a sua gordura), como queijo, requeijão e manteiga, está associado a um risco reduzido de desenvolver diabetes, isso não significa que consumir queijo e manteiga proteja contra o diabetes, e não autoriza ninguém a dizer que as pessoas devem comer mais queijo e manteiga para evitar o diabetes (uma inferência de causalidade indevida). MAS, e este é um GRANDE MAS, o fato de os laticínios full fat serem associados a uma redução do risco de diabetes praticamente elimina a possibilidade de que eles possam CAUSAR diabetes. Então, este estudo, muito embora seja observacional/epidemiológico, nos autoriza, sim, a dizer que os laticínios full fat não aumentam o risco de diabetes em quem os consome.


(...)

Os estudos epidemiológicos apenas levantam hipóteses quando encontram correlações. Nesse sentido, não deveriam produzir manchetes, muito menos definir condutas de saúde pública ou diretrizes. No entanto, quando NÃO encontram correlação ou encontram correlações INVERSAS, aí sim, passam a ser uma poderosa arma para REFUTAR hipóteses capengas.


Estudos epidemiológicos / observacionais não são ferramentas inúteis. Apenas têm sido mal empregados e abusados nas últimas décadas: não são ferramentas de afirmação, e sim de REFUTAÇÃO."
"Só existe uma forma de evitar essa cilada. É preciso repetir, todos os dias, várias vezes por dia, em voz alta se possível, o seguinte adágio: "correlação não implica causa e efeito". 
Sempre - SEMPRE - que ler um artigo, ou a mais nova manchete sobre saúde - pergunte-se se é um estudo observacional / epidemiológico. Se for, o seu trabalho consiste em imaginar explicações alternativas, variáveis ocultas, etc. Pois quando uma associação (mesmo as comprovadamente espúrias, como demostrado acima) alinha-se com o senso comum vigente, é absolutamente atávico e instintivo que se tenda à falsa narrativa de causalidade. Como já escrevi antes: 
Estudos observacionais e epidemiológicos capturam os vieses, o zeitgeist, os preconceitos de uma época, e o reproduzem. Mais do que isso, embora não possam estabelecer causa e efeito, acabam sendo interpretados de forma a reforçar a causa presumida daquilo que estudam, sob a ótica dos preconceitos e diretrizes vigentes.
Lutar contra isso requer esforço e prática. E constante vigilância. (referência aqui)"
Ou seja, a maioria do que sai na mídia são estudos observacionais / epidemiológicos, sujeitos a toda sorte de variáveis de confusão e que não podem provar ou demonstrar nada.

Portanto, da próxima vez que você ouvir ou ler uma notícia dizendo que um especialista acha isto ou aquilo ou mesmo que um estudo observacional "concluiu" que um determinado alimento causa doença, desconfie, seja crítico e procure se informar sobre o valor científico desta informação.

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