segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A indústria da propaganda alimentar infanto-juvenil


Grande parte das causas da crescente epidemia da obesidade infantil no Brasil e no mundo decorre diretamente da publicidade infantil e pelo deliberado estímulo ao consumo excessivo de alimentos industrializados, processados, refinados e açucarados.

Mas há luz no fim do túnel e ela veio através de um verdadeiro leading case jurídico.

Um exemplo emblemático em favor da sociedade e do público-alvo destas nocivas propagandas foi protagonizado pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial n.º 1.558.086). Em março de 2016, ao julgar uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo contra a Pandurata, dona da marca Bauducco, a Corte Superior proclamou que a publicidade voltada ao público infantil era "abusiva".

A decisão confirma o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que havia imposto multa de R$ 300 mil à empresa por danos causados à sociedade pela peça publicitária.

A ação civil pública, originada em decorrência de uma promoção realizada em 2007, refere-se a uma ação da marca Bauducco em que, para ganhar um brinde, o consumidor tinha de pagar R$ 5 e apresentar cinco embalagens de biscoitos.

O tribunal assentou que ação da Bauducco reflete um "caso típico de publicidade abusiva e de venda casada, igualmente vedada pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor), numa situação mais grave por ter como público-alvo a criança".

O ministro Herman Benjamin, considerado uma grande autoridade no tribunal em Direito do Consumidor, em seu proficiente voto, além de seguir com veemência o relator, asseverou:
"O julgamento de hoje é histórico e serve para toda a indústria alimentícia. O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais."
A discussão sobre os limites da publicidade infantil também consta da Resolução n.º 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), da Secretaria dos Direitos Humanos, que prega a proibição da propaganda que tenha esse público-alvo.

Na relação de consumo que envolva crianças como consumidoras, estas são presumidamente consideradas hipossuficientes, dada a sua imaturidade. Além do mais, são tidas, também, mais vulnerável que um adulto ao poder de persuasão, em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento intelectual.

Não é novidade que a propaganda direcionada ao público infantil é cuidadosamente elaborada e recheada especialmente por atrativos, como a utilização de super-heróis, cenários coloridos, música apropriada, cores vibrantes e personagens famosos de desenhos animados, tudo para encantar e seduzir o consumidor infantil.

As agências de marketing se utilizam de todo estratagema publicitário disponível, recrutando os melhores publicitários, com o propósito principal de persuadir, convencer e incentivar o consumismo alimentar pouco saudável.

Interessante observar que em vez de destacar os valores nutricionais dos alimentos, como seria lógico e esperado, a propaganda moderna, de propósito, associa a compra dos produtos alimentares industrializados a viagens, prêmios e brindes, com o objetivo de conquistar o maior número de consumidores.

Aliás, bastam poucos segundos desta efetiva forma de comunicação publicitária para alcançar os nefastos objetivos: cativar e despertar o desejo para o consumo.

No comercial, é mostrada a falsa correlação entre felicidade, saúde e vitalidade e o consumo destes alimentos. Dito de outra forma, a propaganda passa a mensagem (errada) para a criança que somente se ela comprar e comer aquele produto é que ficará satisfeita e feliz.

Na prática, ocorre o contrário: aquela criança que consumir, rotineiramente, refrigerantes e comer biscoitinhos recheados, em vez de ficar forte ou parecido com aquele jogador de futebol famoso que estampa as embalagens, poderá, em pouco tempo, integrar a estatística de obesidade e diabetes infantil. 

Pesquisas demonstram que as crianças possuem influente fator decisivo nas compras da família, especialmente alimentos, roupas e brinquedos. A indústria já enxerga, neste cenário, estratégias para fidelização ao produto.

Contudo, tais práticas não devem ser toleradas. A indústria alimentícia, aproveitando a inexperiência de seu público preferido, lança mão de artimanhas publicitárias para aumentar a venda de alimentos, especialmente aqueles com alto teor de gordura trans, açúcar, carboidratos refinados, sódio e bebidas açucaradas, ao público infantil. 

Estes produtos são baratos e, na maioria dos casos, viciantes. Estimula o desejo pela compra e propicia o seu consumo imoderado. Tomemos como exemplo os seguintes produtos, divulgados livremente e sem qualquer restrição ou aviso na TV, jornais e revistas: refrigerantes, biscoitos recheados, batata-frita e sanduíches industrializados, bebidas adocicadas etc. São gostosos, atraentes, financeiramente acessíveis e viciantes. 

Mas o mais importante, não divulgado e desconhecido: são nocivos e prejudiciais a saúde!

Além de serem altamente calóricos, pouco nutritivos, não saciantes, o consumo diário dos referidos produtos contribui para o surgimento de hábitos alimentares indesejáveis, já que a maioria das crianças prefere comê-los, matar a fome rapidamente, a experimentar uma bela salada repleta de brócolis, cenoura, couve ou alface.

Em muitos casos a indústria se utiliza da proibida "venda casada", ou seja, o anúncio diz que só leva um determinado produto-chamariz se comprar obrigatoriamente outro.

A proteção da criança e do adolescente deve ser a prioridade e não o intuito desmedido de lucro da indústria. Até porque o Brasil é o único país que tem em sua Constituição Federal dispositivo que garante prioridade absoluta às necessidades das crianças, em todas as suas formas.

É também chegada a hora de se limitar, vedar e controlar os inúmeros casos de publicidade abusiva e venda casada que têm como público-alvo a criança, em flagrante violação à Constituição Federal e ao Código de Defesa do Consumidor.

Faz parte da solução do problema, por exemplo, um projeto escolar que envolva o aluno no cultivo de hortas comunitárias, na colheita dos legumes e verduras que eles mesmos plantaram e até no preparo destes mesmos produtos na cozinha. 

É necessária, por lei, a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional.

Enfim, é preciso ensiná-los que a comida industrializada e bebida açucarada fazem mal para a saúde e não podem ser a base da alimentação. 

A legislação federal determina o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica.

Somente assim criaremos um ambiente propício e uma base sólida para que a nova geração se torne mais consciente, saudável e feliz!

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